quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

ÁLGEBRA

O ensino da álgebra

Para que a introdução à álgebra seja natural, é preciso questionar conhecimentos aritméticos e mostrar como eles são usados nas equações


Durante os primeiros anos da Educação Básica, a garotada está acostumada a estudar Matemática com problemas aritméticos que envolvem as quatro operações, trabalhadas numa complexidade crescente de números grandes, frações e racionais. Letras são usadas somente para representar grandezas, como "m" para metro, "g" para grama e "l" para litro. Imagine, então, o susto dos alunos ao chegar ao 6º ou 7º ano e dar de cara com uma questão do tipo 2a + 13 = 33. Não bastasse saber somar, subtrair, dividir e multiplicar, agora eles precisam desvendar o valor das letras. Mas como fazê-lo se a "conta" aparentemente já está resolvida? Afinal, ao contrário do que acontecia até esse momento, tem um número depois do sinal de igual...

O estranhamento na cabeça das crianças é natural. "Elas sentem a perda de sentido do que já sabem e julgam as dificuldades operatórias difíceis de serem superadas", diz Ivone Domingues, coordenadora pedagógica da área de
Matemática da Escola da Vila, em São Paulo. De fato, a compreensão da álgebra - a parte da disciplina que estuda leis e operações com entidades abstratas, geralmente utilizando letras para representar valores desconhecidos - exige que a tur ma repense saberes que funcionavam bem com as operações aritméticas. A pesquisadora argentina Patricia Sadovsky defende que seu papel, professor, é fundamental para apresentar a passagem da aritmética à álgebra como continuidade e não como ruptura.
Quais conteúdos questionar, quais saberes construir 

Ilustrações: Beto Uechi
Ilustrações: Beto Uechi
A chave é mostrar que tudo que se aprendeu nas séries iniciais segue sendo válido. Mas que, quando se trata de resolver equações, alguns procedimentos precisam ser modificados. A sequência de operações é um deles. Durante o trabalho aritmético, as crianças costumam lidar com problemas que pedem resultados com base em dados previamente estabelecidos, que se caracterizam pela importância da obtenção de informações intermediárias. Como o que ocorre em "Tenho 200 bonequinhos e comprei mais 50. Depois, dei 30 para meu amigo. Com quantos fiquei?". O mais usual, em situações como essa, é realizar as operações em sequência (primeiro, somam-se 200 e 50. Depois, subtrai-se 30 desse total). No fim, chega-se ao resultado - quase sempre, um número "de verdade".

A
álgebra opera por uma lógica diferente. Considere o seguinte exemplo: "Sabendo que o produto de dois números é 5.542, qual será o resultado se somarmos 1 ao primeiro dos números e depois o multiplicarmos pelo segundo?" Perceba que o passo a passo aritmético não funciona nesse caso. Aqui, a tradução para a linguagem matemática tem de envolver, de uma vez só, todas as informações, gerando duas equações: a x b = 5.542 e (a + 1) x b = c, sendo "a" e "b" os dois números multiplicados e "c" o valor pedido no enunciado.

Ilustrações: Beto Uechi
Outra diferença importante - dessa vez, relacionada a um conceito - diz respeito ao sinal de igual. A turma pode ter se acostumado a entender que o que está do lado esquerdo da igualdade são as parcelas da conta e o que vem do lado direito, logo depois do "=", é o resultado, geralmente expresso por um único número. Equações do tipo 7a + 7 = 4a + 19 questionam essa interpretação (nesse exemplo e nos próximos, consideramos que expressões do tipo "7a" e "4a" e "ab" indicam multiplicações entre o primeiro e o segundo elemento, como 7 x a e 4 x a e a x b). Sua tarefa, aqui, é mostrar que, mais do que um indicar resultado, o sinal de igual serve para mostrar uma equivalência. O paralelo com a aritmética ajuda: indique que 144 + 50 não somente "é igual a" 194 mas também equivale a 194, da mesma maneira como 130 + 64 ou então 200 - 6, entre outras possibilidades.
Em seguida, é preciso construir novos conhecimentos. É fundamental explicar o que significam os tais "a", "b" e "c" que aparecem nas operações. Não basta dizer que são "números desconhecidos": dependendo do contexto matemático, as letras podem se comportar como incógnitas (valores fixos) ou variáveis (que podem assumir diversos valores). Uma boa maneira de sublinhar essa diferença é pela comparação de problemas. Suponhamos que um primeiro busque o número de triciclos e bicicletas numa garagem, explicitando que há 100 rodas no total. A resposta, então, é 3t + 2b = 100, com muitos valores possíveis para a quantidade de triciclos ("t") e bicicletas ("b"). Isso ocorre porque faltam elementos que determinem a situação: se tenho oito triciclos, serão necessariamente 38 bicicletas (3 x 8 + 2b = 100; 24 + 2b = 100; 2b = 100 - 24; 2b = 76; b = 38).

A segunda proposta tem os mesmos dados e busca encontrar o número de bicicletas. No entanto, revela que há 10 triciclos. Assim, resta somente uma variável (o número de bicicletas), que, por estar envolvida com outros elementos fixos (3 x 10 + 2b = 100), é uma incógnita, um número determinado: se 10 triciclos somam 30 rodas, as 70 restantes são divididas pelas bicicletas, resultando 35.
As boas estratégias didáticas incluem etapas de generalização 
Agora que já sabemos o que fazer, vamos discutir como apresentar esses conteúdos à garotada. Uma coisa é certa: os especialistas não recomendam despejar, logo de cara, um caminhão de algoritmos repleto de letras. "A generalização, algo essencial para o entendimento dos conceitos algébricos, não nasce do acúmulo de evidências pontuais em exemplos", afirma Ivone. Em vez disso, é mais adequado propor atividades em que a própria turma identifique essas regularidades partindo das operações já conhecidas (leia a sequência didática).
Ilustrações: Beto Uechi
Uma possibilidade é o seguinte exemplo: "Sabendo que o produto de dois números é 9.876, é possível conhecer o produto do dobro do primeiro pelo triplo do segundo?" Com o apoio da aritmética, é natural que os alunos, primeiro, pensem em diversos valores para alcançar 9.876, algo mencionado no início do enunciado. Eles podem chegar a diferentes pares de números: 9.876 e 1 e 4.938 e 2, por exemplo. Com esses dados, conseguem terminar o problema. Com o primeiro par, temos 9.876 x 2 = 19.752 e 1 x 3 = 3, que multiplicados entre si resultam em 59.256. Com o segundo, 4.938 x 2 = 9.876 e 2 x 3 = 6, que multiplicados resultam, de novo, em 59.256.

Com as sucessivas tentativas, a garotada vai concluir que o resultado que buscamos (o produto do dobro do primeiro pelo triplo do segundo) independe dos fatores em questão. Aí, sim, é hora de mostrar que a Matemática possui uma maneira de escrever esse tipo de raciocínio generalizado, simplificando o processo (no exemplo, ab = 9.786 e c = 2a x 3b = 6ab = 6 x 9.786 = 59.256, sendo "c" o número pedido no enunciado). A notação obtida pela aplicação de
propriedades multiplicativas (comutativa e associativa, aprendidas no estudo da aritmética) aponta que a resposta esperada (o "c") é seis vezes o resultado inicial, sem que seja necessário descobrir "a" e "b".

Desafios com
conceitos geométricos também colaboram na construção da generalização. Por exemplo, uma sequência de bolinhas que forme quadrados perfeitos. A primeira tem uma bola:

FIGURA 1

figura 1



A segunda leva duas bolinhas na base e duas na altura, totalizando 4:

FIGURA 2

figura 2




A terceira tem três na base e três na altura, somando 9:

FIGURA 3

figura 3






Desafie a classe a descobrir quantas bolinhas terá a figura 5. Observando os quadrados anteriores, alguns alunos vão notar que o total de bolinhas é dado pelo número da figura multiplicado por ele mesmo. Outros argumentarão que o resultado pode ser obtido multiplicando o número de bolinhas da base pelo da altura. Os dois caminhos estão certos.

Com base nessas observações, a garotada concluirá que, para a quinta figura, o total é 25. Nesse momento, você pode propor a sistematização matemática da descoberta ao mostrar uma fórmula do tipo t = n X n, sendo "t" o total de bolinhas e "n" o número de bolinhas da base e da altura ou o número da figura.

Por meio dessas estratégias, os estudantes compreendem que a elaboração de fórmulas é a forma convencional de generalizar um raciocínio. Aprendendo a montar algoritmos e equações e sabendo o significado das letras que representam incógnitas e variáveis, eles entendem melhor a lógica que estrutura a álgebra e comprovam sua utilidade.

Fonte: Revista Nova Escola/Internet



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