Como aproveitar os princípios do Desenho Universal para a Aprendizagem e tornar suas aulas ainda mais inclusivas
Talvez você nunca tenha ouvido falar em Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), metodologia nascida originalmente para nortear a Arquitetura, de modo a incluir, de fato, todos os tipos de pessoas no planejamento dos espaços. Na Educação, o DUA foi, inicialmente, sistematizado pela Universidade Harvard na década de 1990 e tem sido adotada por educadores do mundo todo na busca por criar, desde o planejamento das aulas, um ambiente de ensino e aprendizagem mais inclusivo.
A ideia básica é que, para ensinar ou aprender, três áreas do cérebro precisam ser ativadas: a rede de reconhecimento (o que aprender), a estratégica (como) e a afetiva (por que e para quê). É com base nessas premissas que o DUA se orienta. Provavelmente, mesmo sem saber, você já tentou aplicar a metodologia no seu cotidiano na escola.
Ele envolve a reflexão e avaliação da própria prática pedagógica e incide em elaborar processos de aprendizagem que visem à aprendizagem de todos. “A ideia é estimular de diferentes formas o mesmo conteúdo, de maneira a tornar a experiência da aula mais completa. O que muda é a estratégia para chegar nos objetivos”, explica Alexandre Moreira, auxiliar de formação do Instituto Rodrigo Mendes. Além disso, internalizar esse princípio ajuda a encarar a presença de alunos com deficiência de outra forma: não é preciso, necessariamente, “adaptar” a aula para acomodar as necessidades do estudante, mas sim, já imaginar uma forma de ensinar o conteúdo, de modo a incluir um maior número de pessoas.
Foi o que aconteceu com Katiane dos Santos, atualmente professora do 4º ano na EM Profª. Lourdes Gobi Rodrigues, em Cambé, no Paraná. Em 2017, quando lecionava no 3º ano do Fundamental, Katiane recebeu em sua turma alunos com deficiência intelectual. Sem apoio ou muitas referências, precisou usar a criatividade para superar as dificuldades e garantir que todos estivessem aprendendo. Ao buscar outras maneiras de ensinar, conheceu a metodologia. “Inicialmente, foi difícil aplicar uma teoria que não é daqui, mas, como eu já aplicava os princípios, vi que é possível para o professor se adaptar conforme a realidade”, afirma a professora, explicando que atitudes simples, como o tipo de discurso, propor um desafio ou incentivar a troca entre os alunos, fazem a diferença.
Durante uma aula de Ciências sobre os movimentos da Terra, por exemplo, Katiane não se restringiu a fazer só uma exposição oral tradicional. Afinal, essa forma de ensinar pode contemplar alguns alunos, mas, provavelmente, deixaria outros de fora. Em vez disso, disponibilizou diversas formas de aprender o conteúdo: trouxe imagens, pediu para que eles fizessem desenhos, organizou trabalhos em grupo, levou vídeos e, por fim, pediu para que todos os alunos reproduzissem, ao redor da mesa, os movimentos. “Percebi que uma das minhas alunas com deficiência estava aprendendo, mas quis verificar. Perguntei o que era o movimento de rotação, e ela não respondeu verbalmente, mas levantou-se da cadeira e mostrou o movimento. Assim, vi que ela realmente tinha aprendido”, relembra.
Ao refletir sobre a própria prática, o professor também revê a maneira que avalia os alunos e passa a trazer diversas formas de verificar a aprendizagem. “Cada aula é uma avaliação. O DUA traz maior liberdade de registrar essa aprendizagem e o professor vai perceber quais são as outras maneiras a partir do perfil da turma e os objetivos de aprendizagem”, comenta Jacqueline Prais, pesquisadora na área de Educação Inclusiva pela Universidade Estadual de Londrina. No caso de Katiane, o diálogo e os movimentos do corpo permitiram que a aluna demonstrasse a resposta, algo que talvez ela não conseguisse falando ou escrevendo.
Imagens Revista nova Escola
Um desenho para todos
O DUA rompe com a noção de que adaptar é a única opção para os alunos com deficiência. “O problema está na estratégia de aprendizagem e não no tamanho do currículo”, diz Jacqueline. “Existe tendência de pensar que se eu tenho um aluno com deficiência x, ele vai precisar de y. Não existe isso, cada pessoa é uma, por isso é importante não pressupor as necessidades do aluno”, explica Alexandre Moreira, do Instituto Rodrigo Mendes. Além disso, essa concepção favorece a aprendizagem de todos, não apenas de pessoas com deficiência. Afinal, alguns alunos podem compreender melhor o conteúdo quando ele é mostrado em um filme; já outros entendem melhor lendo vários textos ou, ainda, há aqueles que aprendem mais quando o outro colega explica. Ao reconhecer que os alunos com e sem deficiência aprendem de diferentes formas – e contemplando isso ao expor o conteúdo –, o DUA se baseia nas especificidades de cada grupo, por isso ele precisa ser constantemente revisado. Para tal, é importante estar aberto ao erro, investigar o que funciona com a turma e inovar. “Durante a aula já dá para ver se deu certo, e se não der, trago outra proposta para a aula seguinte”, explica Katiane (saiba como incluir o DUA no planejamento no final da matéria).
COMO APLICAR O DESENHO UNIVERSAL PARA A APRENDIZAGEM?
Ensinar de maneiras diferentes, ouvir os alunos e engajar os estudantes são os três princípios da metodologia. Confira:
1) Múltiplas formas de apresentação: Para potencializar a aprendizagem, o aluno precisa acessar diferentes apresentações do conteúdo. Assim, tente ensinar de diferentes formas o mesmo assunto.
2) Múltiplas representações da aprendizagem: Crie oportunidades para os alunos expressarem a aprendizagem, com o objetivo de compreender o que e como eles estão aprendendo.
3) Múltiplas formas de engajamento: Para aprender, é preciso que o aluno entenda a importância de adquirir esse conhecimento. Para tal, o professor precisa encontrar meios para motivar e engajar os alunos em prol da aprendizagem.
Mas o que a gestão pode fazer?
Apesar de ser um recurso diretamente ligado à prática do professor, a gestão escolar não está de mãos atadas. Ela pode (e precisa) colaborar. O primeiro passo é entender a necessidade de uma proposta diferente e a importância dela para promover uma Educação Inclusiva. Na escola de Katiane o planejamento colaborativo já é uma prática, o que permitiu que ela mostrasse o seu trabalho para outras professoras. No entanto, esse movimento pode ser ampliado, e para tal é importante o apoio da gestão para garantir espaços de formação e troca de experiência entre pares. A partir do olhar atento para o que acontece na escola, é possível promover formações lideradas pelos próprios professores que se destaquem. “É uma forma de divulgar experiências positivas e fortalecer os professores. Contagiar para o bem”, diz Mônica dos Santos, coordenadora do Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE). “Não adianta o professor fazer todo o trabalho de pensar no DUA, se na hora de conseguir recursos o processo estanca, por isso o gestor tem de ser um aliado dos professores”, afirma Alexandre. “A Educação inclusiva não é um projeto da escola, mas uma concepção de Educação, e é papel do gestor dar continuidade a esse trabalho”, diz o formador.
Aplicar, de fato, a metodologia no dia a dia da escola não é tarefa simples, pois exige um esforço contínuo, um planejamento intencional e a abertura para revisar o que está sendo feito. Mas, para a professora Katiane, valeu a pena: “Achei que não conseguiria promover uma aprendizagem efetiva, mas observei uma evolução. Eles estão aprendendo mais”.
PASSO A PASSO PARA PLANEJAR
Confira uma sugestão de etapas para preparar uma aula com a metodologia
- Diagnóstico: Entenda as necessidades e habilidades da turma para traçar caminhos que possam promover a aprendizagem.
- Objetivo: Tenha clareza do que se deseja atingir naquela aula. Só então pense na forma de ensinar.
- Questionamento: Pergunte-se: o conteúdo está sendo dado de diferentes formas? Há oportunidades para o aluno representar a aprendizagem dele de diferentes formas? Quais estratégias motivaram o envolvimento na aula?Como vou avaliar a aprendizagem?
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