"Ensinar utilizando-se de adaptações curriculares exige muita responsabilidade da
equipe de gestão e dos professores, já que requer uma reflexão sobre o currículo oficial
com seus objetivos, habilidades, competências, conteúdos, atividades previstas, os quais
deverão ser analisados antes, durante e depois das adaptações curriculares. Pois, o
objetivo de se ensinar por meio de adaptações curriculares é fazer com que os alunos
que delas necessitarem possam se beneficiar dos conhecimentos escolares e possam o
mais breve possível acompanhar o restante de alunos de sua sala de aula nas diferentes
disciplinas.
Alguns critérios, abaixo especificados, deverão ser seguidos antes e durante a
construção da adaptação curricular, nos momentos de sua aplicação, bem como após
ter sido utilizada como ferramenta de ensino e aprendizagem.
Diagnóstico educacional das necessidades especiais/específicas do aluno.
De acordo com Aranha (2000), é fundamental que o professor estabeleça como
primeiro passo de sua relação com o aluno que apresenta necessidade de adaptações
curriculares, ou com qualquer outro aluno, [...] “o procedimento de identificar os
conhecimentos que ele já possui como ponto de partida do processo de ensinar, base
para a ampliação e aquisição de novos conhecimentos, em qualquer unidade temática.”
(ARANHA, 2000, p.20). Nesse sentido, é preciso investigar e registrar por meio de uma
análise em conjunto das dificuldades e potencialidades que o aluno apresenta tanto na
escola, nas diferentes disciplinas, quanto em outros ambientes não escolares.
Avaliação diagnóstica/sondagem
A Avaliação diagnóstica ou sondagem das dificuldades especiais/específicas do
aluno deve ser realizada em cada disciplina, procurando identificar, também, as
potencialidades que o aluno apresenta. (Quais conhecimentos o aluno já possui nesta
disciplina? Quais conhecimentos o aluno está em vias de desenvolver nesta disciplina?
Que potencialidades apresenta?) Esse momento relaciona-se com a preocupação, com
a responsabilidade, com o cuidado pelo professor de identificar, a zona de
desenvolvimento proximal (ZDP) do aluno em relação às expectativas de aprendizagem
/habilidades/competências e conteúdos que serão trabalhados.
Vigotski (2010), ao tratar sobre a relação entre aprendizado e desenvolvimento
esclarece que o aprendizado das crianças inicia-se muito antes de frequentarem as
escolas. Acompanhando essa linha de pensamento, ressalta-se que nesta pesquisa
considera-se que o aluno, por mais dificuldades escolares que apresente, já sabe alguma
coisa que aprendeu fora da escola e/ou na própria escola. É necessário que o professor
aprenda a enxergar, a identificar e a utilizar-se de tais aprendizagens para aumentar o
desenvolvimento do aluno como um todo.
De acordo com os estudos de Vigotski (2010), a zona de desenvolvimento
proximal
[...] permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico
de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi
atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em
processo de maturação. (VIGOTSKI, 2010, p. 98).
Tendo em vista que a zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o
nível de desenvolvimento real (quando o aluno consegue solucionar as tarefas, os
desafios, as atividades de forma independente) e o nível de desenvolvimento potencial
(quando o aluno consegue solucionar problemas, atividades, recebendo a orientação, a
intervenção do professor, por exemplo, ou a colaboração de alunos mais desenvolvidos
da sua turma), pode-se concluir que aquilo que hoje é a zona de desenvolvimento proximal da criança, amanhã ou em breve, havendo aprendizagens, será a zona de
desenvolvimento real.
Aquilo que a criança hoje só consegue realizar com ajuda de outros, ela poderá
realizar sozinha em pouco tempo, já que novas aprendizagens poderão fazer com que
aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de
amadurecimento (funções essas que se encontram na zona de desenvolvimento
proximal em estado de embriões) tornem-se desenvolvimento real. (VIGOTSKI,
2010).
Identificar a zona de desenvolvimento proximal do aluno nas diferentes
disciplinas, viabiliza aos professores construir adaptações curriculares adequadas, ou
seja, nem tão fáceis nem tão difíceis para o aluno. Pois, se forem aplicadas adaptações
curriculares muito fáceis o aluno não se sentirá desafiado, não terá sua zona de
desenvolvimento proximal trabalhada e não aprenderá além do que já conhecia, não se
desenvolvendo. Se a adaptação curricular for muito difícil para o aluno também não o
levará a aprender e a se desenvolver, pois poderá desistir da atividade, não encontrar
significado nela por estar muito distante de sua zona de desenvolvimento proximal.
Sob essa perspectiva, é relevante destacar que as adaptações curriculares têm
como foco construir novas aprendizagens, as potencialidades, enfim a zona de
desenvolvimento proximal do aluno, e não se concentram nas deficiências, nas
dificuldades e limitações como tradicionalmente acontece. De acordo com Vigotski
(2010), um aspecto fundamental de propiciar novas aprendizagens às crianças é o fato
de elas criarem a zona de desenvolvimento proximal, ou seja,
[...] o aprendizado desperta vários processos interno de desenvolvimento,
que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas
em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma
vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do
desenvolvimento independente da criança. [...] o aprendizado
adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma,
seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto
necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções
psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.
(VIGOTSKI, 2010, p. 103).
Nesse sentido, os trabalhos em duplas e grupos produtivos com outros colegas
da turma, aqueles mais adiantados nas diferentes disciplinas, e o trabalho de orientação
e intervenção do professor, podem colaborar de forma crucial para que os alunos adquiram novas aprendizagens e possam ir se desenvolvendo de um modo global e
adquiram mais independência em relação à realização das tarefas escolares. O que só se
torna possível na concepção vigotiskiana quando o que era desenvolvimento proximal
torna-se desenvolvimento real pela aquisição de novas aprendizagens, as quais
contribuem para as mudanças do nível de desenvolvimento de forma global e nas
diferentes disciplinas num contínuo e altamente complexo processo de inter-relações.
Para Vigotski (2010), o aprendizado escolar estimula os processos de desenvolvimento.
De acordo com esse autor, a boa aprendizagem é aquela que se antecipa ao
desenvolvimento, asseverando que [...] “o processo de desenvolvimento progride de
forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam,
então, as zonas de desenvolvimento proximal.” (VIGOTSKI, 2010, p. 102-103).
Ao se trabalhar com as zonas de desenvolvimento proximal dos alunos, nas
diferentes disciplinas (portanto em cada área ou disciplina curricular o professor deve
ir descobrindo as zonas de desenvolvimento proximal dos alunos, as quais se colocarão
de forma contínua quando houver intervenção adequada do professor e de alunos mais
experientes, para trabalhar partindo delas), tem-se a possibilidade de, em um fluxo
contínuo, por meio de novas aprendizagens, construir novas zonas de desenvolvimento
proximal e novos níveis de desenvolvimento real (situações, tarefas, atividades que o
aluno consegue resolver sozinho). Assim, as zonas de desenvolvimento proximal,
também, colocam-se como ferramentas pedagógicas fundamentais para a construção
de novas aprendizagens e novos níveis de desenvolvimentos reais.
Percebe-se que as relações entre (novas) aprendizagens, (novas) zonas de
desenvolvimento proximal e (novos) níveis de desenvolvimento reais, embora sejam
processos distintos, dirigem-se para a unidade na qual se pressupõe que um(s) seja(m)
convertido(s) no(s) outro(s).
Currículo “oficial” como ponto de partida
O currículo “oficial”, o livro didático, as apostilas ou outro material previsto para
a série /ano pode ser utilizado como ponto de partida para a construção das adaptações
curriculares. Após identificar quais são as dificuldades e potencialidades do aluno, chega
o momento de refletir sobre o currículo oficial. É o momento que a equipe de gestão da escola e os professores deverão analisar, dentre as várias expectativas de
aprendizagem/competências/habilidades/conteúdos, aqueles possíveis de serem
trabalhados com o aluno naquela semana, mês, bimestre por meio de adaptações
curriculares, bem como poderão decidir por mantê-los, providenciando adaptações de
acesso ou não tão significativas quando verificarem que o aluno não necessita de
grandes mudanças nos aspectos curriculares.
Preparação das atividades
A preparação das atividades de adaptação curricular e dos recursos de apoios,
quando necessários, é o momento de pensar e organizar as atividades e as sequências
de aprendizagens que serão utilizadas para se atingir a (s) expectativa(s)
/competência(s)/habilidade(s)/conteúdo(s) previsto(s).
Aplicação da(s) atividade(s) adaptada(s)
Esse é um momento privilegiado para a orientação, a intervenção e a mediação
do professor e/ou de outros alunos com níveis mais avançados de desenvolvimento,
os quais poderão auxiliar o aluno com dificuldades. É, também, o momento oportuno
para o professor autoavaliar o processo de ensino questionando se a atividade adaptada
ajudou o aluno a aprender e a se desenvolver e o que precisa ser reajustado, revisto. É
nesse processo de autoavaliação de como ocorreu ou como não ocorreu o ensino que
o professor deverá refletir se está fazendo uso de uma concepção de avaliação inclusiva.
Lopes e Almeida (2016), afirmam que a avaliação inclusiva
[...] tem como princípios fundamentais: a avaliação primeiro do ensino
(avaliação das aulas ministradas pelo docente e suas contribuições para
o desenvolvimento dos alunos, bem como as falhas e omissões que
deverão ser revistas) por meio da autoavaliação dos docentes, da
equipe de gestão da escola e avaliação do próprio aluno em relação às
aulas; a participação ativa do aluno durante o processo avaliativo, avaliando
as dificuldades estabelecidas pelas aulas ministradas, as dificuldades e
as facilidades enfrentadas durante determinadas aulas que estão sendo
avaliadas e autoavaliação de sua participação para o seu próprio
desenvolvimento escolar. (LOPES; ALMEIDA, 2016, p. 908).
Avaliação
Quando as adaptações curriculares se fizerem necessárias para alguns alunos, é
evidente que há de se pensar como se dará a avaliação do processo de ensino e
aprendizagem. É daí que surge a necessidade de se pensar, também, em avaliações
adaptadas, as quais têm como perspectiva mais ampla a realização de uma avaliação
mais inclusiva. Se durante um mês, um bimestre ou semestre, ensinou-se por meio de
atividades curriculares adaptadas, será preciso construir avaliações também adaptadas,
compatíveis com as atividades e com as expectativas de aprendizagem, habilidades,
competências e conteúdos que foram selecionados durante o processo de aplicação das
atividades curriculares adaptadas. A avaliação adaptada serve para analisar se as
atividades adaptadas contribuíram ou não para novas aprendizagens e desenvolvimento
dos alunos, possibilitando que durante o processo ajustes necessários possam ser feitos.
A avaliação, no contexto das adaptações curriculares, ganha um sentido especial.
Assim, é preciso refletir sobre os tipos de avaliações que são realizadas na escola, na
sala de aula com cada um dos alunos. É mais comum a utilização de avaliações
inclusivas ou de avaliações tradicionais? Como é possível avaliar um aluno com
dificuldades escolares, com necessidades específicas/especiais se não lhe foram
oferecidas adaptações curriculares?
A avaliação inclusiva faz o movimento contrário ao da avaliação tradicional,
avaliando primeiro como ocorreu ou não ocorreu o ensino para depois avaliar como
ocorreu ou como não ocorreu a aprendizagem. A avaliação tradicional quase sempre
somente avalia o aluno, a aprendizagem, não sendo conhecida nem vivenciada como
aquela que volta o olhar e a reflexão para o processo de como foi ensinado.
Aquele que pratica a avaliação inclusiva parte do pressuposto de que a
autoavaliação de como ocorreu ou como não ocorreu o ensino é fundamental para a
aprendizagem dos alunos. Na avaliação inclusiva, o aluno tem papel ativo, também
avaliando como ocorreu o ensino, autoavaliando sua participação no processo de aprender, bem como deverá ser ensinado pelos docentes a perceber e a apontar as
barreiras que se colocaram durante o processo de ensino e de aprendizagem. As
avaliações inclusivas colocam-se, também, como momentos para a construção de novas
aprendizagens e novos desenvolvimentos tanto dos professores quanto dos alunos.
O professor poderá aprender a cada avaliação inclusiva a reconstruir sua prática
no sentido de como trabalhar melhor com as heterogeneidades de alunos,
desenvolvendo a habilidade de conduzir bem salas de aulas inclusivas. E os alunos
poderão aprender que os erros fazem parte do caminho para se chegar a novas
aprendizagens e a novos níveis de desenvolvimento.
Registro e documentação
Todo o processo de adaptação curricular deve ser registrado. Assim,
coletivamente os educadores devem registrar nos diários de classe, organizar portfólios,
planos e atividades de adaptação curricular, dentre outros.
Os critérios apresentados estabelecem relações entre si e servem como
orientações para a construção e aplicação das adaptações curriculares, estando,
portanto, abertos a revisões, mudanças e complementos que as práticas pedagógicas
possam apontar.
As adaptações curriculares requerem trabalho em equipe, com os professores
organizados por disciplinas, por áreas, contando com a articulação que deverá ser
realizada pelo Professor Coordenador Pedagógico e com o apoio dos docentes
especializados, quando e no que couber, bem como com o apoio da equipe de gestão
como um todo.
Apesar da possibilidade de poder contar com o auxílio dos docentes
especializados que podem contribuir, especialmente, nos ajustes e arranjos referentes
ao acesso ao currículo (apresentando e ensinando aos professores como utilizar
materiais específicos de cada área de deficiência, materiais de tecnologia assistiva, etc.).
Cabe lembrar que os professores das salas de aulas regulares das diferentes disciplinas
do currículo do Ensino Fundamental e Médio ou o professor regente dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, são aqueles que têm ou devem ter as habilidades e
competências para verificar quais expectativas de aprendizagem/habilidades/competências e conteúdos serão trabalhados para atender
as necessidades especiais/específicas dos alunos.
Há que se reconhecer, também, que os docentes especializados nem sempre
mantém um bom diálogo para trocas de experiências e de boas práticas com os
docentes das salas regulares, relação esta prejudicada, dentre outros, por falta de
institucionalização de mecanismos de comunicação viáveis entre esses profissionais. E
que os professores especializados, em sua grande maioria são habilitados em Pedagogia
com cursos de especialização nas áreas das deficiências, portanto, não possuem
conhecimentos específicos nas diversas áreas do currículo para eleger, determinar, quais
expectativas de aprendizagem/habilidades/competência e conteúdos deverão ser
trabalhados nas diferentes disciplinas, séries e anos do Ensino Fundamental e do
Ensino Médio.
Considerações finais
As adaptações curriculares quando bem construídas e aplicadas representam um
avanço em relação ao aspecto apenas socializante do processo de inclusão escolar
vivenciado por alguns alunos. Os descompassos entre a formação de professores e suas
implicações para o projeto da Educação para Todos (educação inclusiva), não justificam
que se coloquem obstáculos para o seu desenvolvimento e nem justificam seu
impedimento. Pois, o movimento de inclusão nas salas de aulas regulares veio para ficar
e os alunos incluídos e aqueles que ainda precisam ser incluídos não podem mais
aguardar que as equipes de gestão e os professores sintam-se preparados para ensinálos.
Não se nega que as formações contínuas sejam relevantes para que os docentes
sintam-se cada vez mais encorajados e confiantes para desenvolverem seu trabalho
educativo em salas de aulas heterogêneas e inclusivas. Mas, acredita-se que trabalhando
com a diversidade humana, com as heterogeneidades dos alunos, tem-se muito a
aprender, pois é no enfrentamento dos problemas, dos desafios que, também, podemos
encontrar soluções, criar novos caminhos, construir novas habilidades e competências
docentes voltadas para o trabalho educativo com as diferenças, com as
heterogeneidades".
É relevante destacar duas habilidades interligadas necessárias aos professores da
atualidade para trabalhar em escolas e salas de aulas inclusivas: construir e aplicar
adaptações curriculares quando se fizerem necessárias e conduzir de forma mais
democrática salas de aulas inclusivas com todas as implicações que isso requer, no
sentido de identificar as diversas barreiras que se colocam durante o complexo processo
de ensino e de aprendizagem. E construindo, coletiva e individualmente, as respostas
especiais/específicas para conseguir amenizar, superar tais barreiras, através de ações
educativas que visam aprendizagens e desenvolvimentos de todos os alunos.
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