domingo, 17 de fevereiro de 2019

"A construção de adaptações curriculares"

"Ensinar utilizando-se de adaptações curriculares exige muita responsabilidade da equipe de gestão e dos professores, já que requer uma reflexão sobre o currículo oficial com seus objetivos, habilidades, competências, conteúdos, atividades previstas, os quais deverão ser analisados antes, durante e depois das adaptações curriculares. Pois, o objetivo de se ensinar por meio de adaptações curriculares é fazer com que os alunos que delas necessitarem possam se beneficiar dos conhecimentos escolares e possam o mais breve possível acompanhar o restante de alunos de sua sala de aula nas diferentes disciplinas. Alguns critérios, abaixo especificados, deverão ser seguidos antes e durante a construção da adaptação curricular, nos momentos de sua aplicação, bem como após ter sido utilizada como ferramenta de ensino e aprendizagem. 

Diagnóstico educacional das necessidades especiais/específicas do aluno.

De acordo com Aranha (2000), é fundamental que o professor estabeleça como primeiro passo de sua relação com o aluno que apresenta necessidade de adaptações curriculares, ou com qualquer outro aluno, [...] “o procedimento de identificar os conhecimentos que ele já possui como ponto de partida do processo de ensinar, base para a ampliação e aquisição de novos conhecimentos, em qualquer unidade temática.”

(ARANHA, 2000, p.20). Nesse sentido, é preciso investigar e registrar por meio de uma análise em conjunto das dificuldades e potencialidades que o aluno apresenta tanto na escola, nas diferentes disciplinas, quanto em outros ambientes não escolares.

Avaliação diagnóstica/sondagem

A Avaliação diagnóstica ou sondagem das dificuldades especiais/específicas do aluno deve ser realizada em cada disciplina, procurando identificar, também, as potencialidades que o aluno apresenta. (Quais conhecimentos o aluno já possui nesta disciplina? Quais conhecimentos o aluno está em vias de desenvolver nesta disciplina? Que potencialidades apresenta?) Esse momento relaciona-se com a preocupação, com a responsabilidade, com o cuidado pelo professor de identificar, a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) do aluno em relação às expectativas de aprendizagem /habilidades/competências e conteúdos que serão trabalhados. Vigotski (2010), ao tratar sobre a relação entre aprendizado e desenvolvimento esclarece que o aprendizado das crianças inicia-se muito antes de frequentarem as escolas. Acompanhando essa linha de pensamento, ressalta-se que nesta pesquisa considera-se que o aluno, por mais dificuldades escolares que apresente, já sabe alguma coisa que aprendeu fora da escola e/ou na própria escola. É necessário que o professor aprenda a enxergar, a identificar e a utilizar-se de tais aprendizagens para aumentar o desenvolvimento do aluno como um todo. De acordo com os estudos de Vigotski (2010), a zona de desenvolvimento proximal [...] permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de maturação. (VIGOTSKI, 2010, p. 98). Tendo em vista que a zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real (quando o aluno consegue solucionar as tarefas, os desafios, as atividades de forma independente) e o nível de desenvolvimento potencial (quando o aluno consegue solucionar problemas, atividades, recebendo a orientação, a intervenção do professor, por exemplo, ou a colaboração de alunos mais desenvolvidos da sua turma), pode-se concluir que aquilo que hoje é a zona de desenvolvimento proximal da criança, amanhã ou em breve, havendo aprendizagens, será a zona de desenvolvimento real. Aquilo que a criança hoje só consegue realizar com ajuda de outros, ela poderá realizar sozinha em pouco tempo, já que novas aprendizagens poderão fazer com que aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de amadurecimento (funções essas que se encontram na zona de desenvolvimento proximal em estado de embriões) tornem-se desenvolvimento real. (VIGOTSKI, 2010). Identificar a zona de desenvolvimento proximal do aluno nas diferentes disciplinas, viabiliza aos professores construir adaptações curriculares adequadas, ou seja, nem tão fáceis nem tão difíceis para o aluno. Pois, se forem aplicadas adaptações curriculares muito fáceis o aluno não se sentirá desafiado, não terá sua zona de desenvolvimento proximal trabalhada e não aprenderá além do que já conhecia, não se desenvolvendo. Se a adaptação curricular for muito difícil para o aluno também não o levará a aprender e a se desenvolver, pois poderá desistir da atividade, não encontrar significado nela por estar muito distante de sua zona de desenvolvimento proximal. Sob essa perspectiva, é relevante destacar que as adaptações curriculares têm como foco construir novas aprendizagens, as potencialidades, enfim a zona de desenvolvimento proximal do aluno, e não se concentram nas deficiências, nas dificuldades e limitações como tradicionalmente acontece. De acordo com Vigotski (2010), um aspecto fundamental de propiciar novas aprendizagens às crianças é o fato de elas criarem a zona de desenvolvimento proximal, ou seja, [...] o aprendizado desperta vários processos interno de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança. [...] o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. (VIGOTSKI, 2010, p. 103). Nesse sentido, os trabalhos em duplas e grupos produtivos com outros colegas da turma, aqueles mais adiantados nas diferentes disciplinas, e o trabalho de orientação e intervenção do professor, podem colaborar de forma crucial para que os alunos adquiram novas aprendizagens e possam ir se desenvolvendo de um modo global e adquiram mais independência em relação à realização das tarefas escolares. O que só se torna possível na concepção vigotiskiana quando o que era desenvolvimento proximal torna-se desenvolvimento real pela aquisição de novas aprendizagens, as quais contribuem para as mudanças do nível de desenvolvimento de forma global e nas diferentes disciplinas num contínuo e altamente complexo processo de inter-relações. Para Vigotski (2010), o aprendizado escolar estimula os processos de desenvolvimento. De acordo com esse autor, a boa aprendizagem é aquela que se antecipa ao desenvolvimento, asseverando que [...] “o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal.” (VIGOTSKI, 2010, p. 102-103). Ao se trabalhar com as zonas de desenvolvimento proximal dos alunos, nas diferentes disciplinas (portanto em cada área ou disciplina curricular o professor deve ir descobrindo as zonas de desenvolvimento proximal dos alunos, as quais se colocarão de forma contínua quando houver intervenção adequada do professor e de alunos mais experientes, para trabalhar partindo delas), tem-se a possibilidade de, em um fluxo contínuo, por meio de novas aprendizagens, construir novas zonas de desenvolvimento proximal e novos níveis de desenvolvimento real (situações, tarefas, atividades que o aluno consegue resolver sozinho). Assim, as zonas de desenvolvimento proximal, também, colocam-se como ferramentas pedagógicas fundamentais para a construção de novas aprendizagens e novos níveis de desenvolvimentos reais. Percebe-se que as relações entre (novas) aprendizagens, (novas) zonas de desenvolvimento proximal e (novos) níveis de desenvolvimento reais, embora sejam processos distintos, dirigem-se para a unidade na qual se pressupõe que um(s) seja(m) convertido(s) no(s) outro(s). 

Currículo “oficial” como ponto de partida

O currículo “oficial”, o livro didático, as apostilas ou outro material previsto para a série /ano pode ser utilizado como ponto de partida para a construção das adaptações curriculares. Após identificar quais são as dificuldades e potencialidades do aluno, chega o momento de refletir sobre o currículo oficial. É o momento que a equipe de gestão da escola e os professores deverão analisar, dentre as várias expectativas de aprendizagem/competências/habilidades/conteúdos, aqueles possíveis de serem trabalhados com o aluno naquela semana, mês, bimestre por meio de adaptações curriculares, bem como poderão decidir por mantê-los, providenciando adaptações de acesso ou não tão significativas quando verificarem que o aluno não necessita de grandes mudanças nos aspectos curriculares.  

Preparação das atividades

A preparação das atividades de adaptação curricular e dos recursos de apoios, quando necessários, é o momento de pensar e organizar as atividades e as sequências de aprendizagens que serão utilizadas para se atingir a (s) expectativa(s) /competência(s)/habilidade(s)/conteúdo(s) previsto(s).

Aplicação da(s) atividade(s) adaptada(s)

Esse é um momento privilegiado para a orientação, a intervenção e a mediação do professor e/ou de outros alunos com níveis mais avançados de desenvolvimento, os quais poderão auxiliar o aluno com dificuldades. É, também, o momento oportuno para o professor autoavaliar o processo de ensino questionando se a atividade adaptada ajudou o aluno a aprender e a se desenvolver e o que precisa ser reajustado, revisto. É nesse processo de autoavaliação de como ocorreu ou como não ocorreu o ensino que o professor deverá refletir se está fazendo uso de uma concepção de avaliação inclusiva. Lopes e Almeida (2016), afirmam que a avaliação inclusiva [...] tem como princípios fundamentais: a avaliação primeiro do ensino (avaliação das aulas ministradas pelo docente e suas contribuições para o desenvolvimento dos alunos, bem como as falhas e omissões que deverão ser revistas) por meio da autoavaliação dos docentes, da equipe de gestão da escola e avaliação do próprio aluno em relação às aulas; a participação ativa do aluno durante o processo avaliativo, avaliando as dificuldades estabelecidas pelas aulas ministradas, as dificuldades e as facilidades enfrentadas durante determinadas aulas que estão sendo avaliadas e autoavaliação de sua participação para o seu próprio desenvolvimento escolar. (LOPES; ALMEIDA, 2016, p. 908).

Avaliação

Quando as adaptações curriculares se fizerem necessárias para alguns alunos, é evidente que há de se pensar como se dará a avaliação do processo de ensino e aprendizagem. É daí que surge a necessidade de se pensar, também, em avaliações adaptadas, as quais têm como perspectiva mais ampla a realização de uma avaliação mais inclusiva. Se durante um mês, um bimestre ou semestre, ensinou-se por meio de atividades curriculares adaptadas, será preciso construir avaliações também adaptadas, compatíveis com as atividades e com as expectativas de aprendizagem, habilidades, competências e conteúdos que foram selecionados durante o processo de aplicação das atividades curriculares adaptadas. A avaliação adaptada serve para analisar se as atividades adaptadas contribuíram ou não para novas aprendizagens e desenvolvimento dos alunos, possibilitando que durante o processo ajustes necessários possam ser feitos. A avaliação, no contexto das adaptações curriculares, ganha um sentido especial. Assim, é preciso refletir sobre os tipos de avaliações que são realizadas na escola, na sala de aula com cada um dos alunos. É mais comum a utilização de avaliações inclusivas ou de avaliações tradicionais? Como é possível avaliar um aluno com dificuldades escolares, com necessidades específicas/especiais se não lhe foram oferecidas adaptações curriculares? A avaliação inclusiva faz o movimento contrário ao da avaliação tradicional, avaliando primeiro como ocorreu ou não ocorreu o ensino para depois avaliar como ocorreu ou como não ocorreu a aprendizagem. A avaliação tradicional quase sempre somente avalia o aluno, a aprendizagem, não sendo conhecida nem vivenciada como aquela que volta o olhar e a reflexão para o processo de como foi ensinado. Aquele que pratica a avaliação inclusiva parte do pressuposto de que a autoavaliação de como ocorreu ou como não ocorreu o ensino é fundamental para a aprendizagem dos alunos. Na avaliação inclusiva, o aluno tem papel ativo, também avaliando como ocorreu o ensino, autoavaliando sua participação no processo de aprender, bem como deverá ser ensinado pelos docentes a perceber e a apontar as barreiras que se colocaram durante o processo de ensino e de aprendizagem. As avaliações inclusivas colocam-se, também, como momentos para a construção de novas aprendizagens e novos desenvolvimentos tanto dos professores quanto dos alunos. O professor poderá aprender a cada avaliação inclusiva a reconstruir sua prática no sentido de como trabalhar melhor com as heterogeneidades de alunos, desenvolvendo a habilidade de conduzir bem salas de aulas inclusivas. E os alunos poderão aprender que os erros fazem parte do caminho para se chegar a novas aprendizagens e a novos níveis de desenvolvimento. 

Registro e documentação

Todo o processo de adaptação curricular deve ser registrado. Assim, coletivamente os educadores devem registrar nos diários de classe, organizar portfólios, planos e atividades de adaptação curricular, dentre outros. Os critérios apresentados estabelecem relações entre si e servem como orientações para a construção e aplicação das adaptações curriculares, estando, portanto, abertos a revisões, mudanças e complementos que as práticas pedagógicas possam apontar. As adaptações curriculares requerem trabalho em equipe, com os professores organizados por disciplinas, por áreas, contando com a articulação que deverá ser realizada pelo Professor Coordenador Pedagógico e com o apoio dos docentes especializados, quando e no que couber, bem como com o apoio da equipe de gestão como um todo. Apesar da possibilidade de poder contar com o auxílio dos docentes especializados que podem contribuir, especialmente, nos ajustes e arranjos referentes ao acesso ao currículo (apresentando e ensinando aos professores como utilizar materiais específicos de cada área de deficiência, materiais de tecnologia assistiva, etc.). Cabe lembrar que os professores das salas de aulas regulares das diferentes disciplinas do currículo do Ensino Fundamental e Médio ou o professor regente dos anos iniciais do Ensino Fundamental, são aqueles que têm ou devem ter as habilidades e competências para verificar quais expectativas de aprendizagem/habilidades/competências e conteúdos serão trabalhados para atender as necessidades especiais/específicas dos alunos. Há que se reconhecer, também, que os docentes especializados nem sempre mantém um bom diálogo para trocas de experiências e de boas práticas com os docentes das salas regulares, relação esta prejudicada, dentre outros, por falta de institucionalização de mecanismos de comunicação viáveis entre esses profissionais. E que os professores especializados, em sua grande maioria são habilitados em Pedagogia com cursos de especialização nas áreas das deficiências, portanto, não possuem conhecimentos específicos nas diversas áreas do currículo para eleger, determinar, quais expectativas de aprendizagem/habilidades/competência e conteúdos deverão ser trabalhados nas diferentes disciplinas, séries e anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

Considerações finais

As adaptações curriculares quando bem construídas e aplicadas representam um avanço em relação ao aspecto apenas socializante do processo de inclusão escolar vivenciado por alguns alunos. Os descompassos entre a formação de professores e suas implicações para o projeto da Educação para Todos (educação inclusiva), não justificam que se coloquem obstáculos para o seu desenvolvimento e nem justificam seu impedimento. Pois, o movimento de inclusão nas salas de aulas regulares veio para ficar e os alunos incluídos e aqueles que ainda precisam ser incluídos não podem mais aguardar que as equipes de gestão e os professores sintam-se preparados para ensinálos. Não se nega que as formações contínuas sejam relevantes para que os docentes sintam-se cada vez mais encorajados e confiantes para desenvolverem seu trabalho educativo em salas de aulas heterogêneas e inclusivas. Mas, acredita-se que trabalhando com a diversidade humana, com as heterogeneidades dos alunos, tem-se muito a aprender, pois é no enfrentamento dos problemas, dos desafios que, também, podemos encontrar soluções, criar novos caminhos, construir novas habilidades e competências docentes voltadas para o trabalho educativo com as diferenças, com as heterogeneidades". 

É relevante destacar duas habilidades interligadas necessárias aos professores da atualidade para trabalhar em escolas e salas de aulas inclusivas: construir e aplicar adaptações curriculares quando se fizerem necessárias e conduzir de forma mais democrática salas de aulas inclusivas com todas as implicações que isso requer, no sentido de identificar as diversas barreiras que se colocam durante o complexo processo de ensino e de aprendizagem. E construindo, coletiva e individualmente, as respostas especiais/específicas para conseguir amenizar, superar tais barreiras, através de ações educativas que visam aprendizagens e desenvolvimentos de todos os alunos. 

Referências

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