EDUCAÇÃO
Competências e Habilidades:
você sabe lidar com isso?
Dra.
Lenise Aparecida Martins Garcia
Profª.
do Dept°. de Biologia Celular da Universidade de Brasilia
O desenvolvimento de competências e habilidades
As diretrizes curriculares nacionais,
os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) dos diferentes níveis de ensino e
uma série de outros documentos oficiais referentes à educação no Brasil têm
colocado - em consonância com uma tendência mundial - a necessidade de centrar
o ensino e aprendizagem no desenvolvimento de competências e habilidades por
parte do aluno, em lugar de centrá-lo no conteúdo conceitual. Isso implica uma
mudança não pequena por parte da escola, que sem dúvida tem que ser preparada
para ela.
Um momento concreto (talvez um dos
únicos) em que a escola se sente responsável por ensinar explicitamente
competências e habilidades é quando a criança aprende a ler e a escrever.
Talvez valha a pena debruçarmo-nos um pouco sobre esse momento, que traz vários
aspectos esclarecedores.
Você se lembra qual foi o texto com o
qual aprendeu a ler? Qual era, digamos, o "conteúdo" desse texto?
Muitos talvez se lembrem de frases com tanto significado como, por exemplo,
"vovó viu a uva". Não sei se alguém se preocupou com detalhes tais
como: que tipo de uva vovó viu? Ela também comeu a uva depois de vê-la?. Ou
talvez a vovó já nem fosse viva! O que era objetivo de ensino, no caso,
evidentemente não era nem a vovó nem a uva, mas a letra V. Com essa ou com
diferentes frases, todos nós aprendemos a reconhecer e a utilizar essa letra
quando desejávamos o som correspondente. O mesmo foi feito com todas as letras.
Hoje há diferentes métodos de alfabetização, uns melhores e outros piores, mas
se você está lendo esse texto significa que de algum modo aprendeu...
Eis outro aspecto interessante: uma vez
que se saiba ler, isso significa que se pode ler todo e qualquer texto; a
habilidade não está vinculada a um assunto concreto. Eu posso ler em voz alta
um texto que verse sobre física quântica mesmo que compreenda muito pouco do
que estou lendo. Um físico, ao ouvir-me, compreenderá. As coisas acontecem
assim porque ler e compreender são habilidades diferentes.
Ao direcionar o foco do processo de ensino e aprendizagem para o desenvolvimento
de habilidades e competências, devemos ressaltar que essas necessitam ser
vistas, em si, como objetivos de ensino. Ou seja, é preciso que a escola inclua entre as suas responsabilidades a de
ensinar a comparar, classificar, analisar, discutir, descrever, opinar, julgar,
fazer generalizações, analogias, diagnósticos... Independentemente do que se
esteja comparando, classificando ou assim por diante. Caso contrário, o foco
tenderá a permanecer no conteúdo e as competências e habilidades serão vistas
de modo minimalista.
O exemplo é verídico. Uma professora me
perguntou: "O que é isso de habilidades que estão falando na minha
escola?". Depois de explicar um pouco, ela me respondeu: "Ah, são
aqueles verbinhos que a gente coloca nas reuniões de início do ano na frente
dos objetivos de ensino? Já aprendi a fazer isso faz tempo!". Acho que não
me engano ao imaginar que aquelas listas de objetivos cheias de
"verbinhos" costumam ficar na gaveta da professora ou da diretora no
restante do ano, enquanto se ministra "o conteúdo".
Romper esse tipo de hábito não é
simples. Daí a importância, a meu ver,
de se considerar as habilidades e competências como objetivos em si, tal como
se faz com a leitura e a escrita. Logicamente, isso não significa
desvincular as habilidades de algum conteúdo. Pelo contrário, os conteúdos das diferentes disciplinas
devem ser o principal instrumento para o desenvolvimento dessas habilidades.
O que se necessita é mudar o enfoque, a
abordagem que se faz de muitos assuntos, além da postura do professor, que em
geral considera o conteúdo como de sua responsabilidade, mas a habilidade como
de responsabilidade do aluno.
Vejamos esse último ponto: um professor coloca nos objetivos de ensino
que o aluno, após determinada aula, deve saber "comparar uma célula animal
com uma célula vegetal". Que faz o professor nessa aula? Explica
(descreve?) como é uma célula animal e como é uma célula vegetal. Talvez faça
uma tabelinha em que coloca, lado a lado, como é uma e como é a outra. Talvez
estabeleça comparações. Entretanto, não considera de sua responsabilidade
ensinar a comparar, não se preocupa com o desenvolvimento dessa habilidade no
aluno. Está centrado no conteúdo "célula vegetal e animal", saber
comparar é algo que o aluno deve "trazer pronto" e se ele não souber
o problema não é do professor de Ciências... Só que também não é de nenhum
outro...
Mudar o foco para o desenvolvimento de
competências e habilidades implica, além da mudança de postura da escola, um
trabalho pedagógico integrado em que se definam as responsabilidades de cada
professor nessa tarefa. Um grande obstáculo, aqui, é que nós mesmos,
professores, podemos ter dúvidas sobre em que consiste, realmente, uma
determinada habilidade, e mais ainda sobre como auxiliar o seu desenvolvimento.
Afinal, possivelmente isso nunca foi feito conosco... Mas as dificuldades não
nos devem desalentar. Pelo contrário, representam o desafio de contribuir para
uma mudança significativa na prática didática da escola.
Naturalmente, essa mudança de foco atinge
também a questão - sempre complexa - da avaliação. Se uma habilidade é vista como objetivo de ensino, a sua aquisição deve
ser avaliada. Em tese, essa avaliação pode estar vinculada ao conteúdo de
qualquer disciplina. Por exemplo, se o
professor de ciências trabalhou com os alunos a comparação entre célula animal
e vegetal, o de português entre orações coordenadas e subordinadas e o de
geografia entre meio rural e urbano, nada impede que a habilidade de comparar
seja avaliada na disciplina de história, por exemplo, comparando
características do Brasil-colônia com o Brasil-império. Pelo contrário, este é
um modo bastante interessante de se avaliar a aquisição da habilidade, evitando
que o aluno apenas reproduza uma situação que foi memorizada.
No exemplo citado coloquei, propositadamente, uma mesma habilidade sendo
trabalhada em diferentes disciplinas. A meu ver, é o modo mais adequado de
favorecer o seu desenvolvimento. Para isso, entretanto, é necessário que todos
os professores se sintam corresponsáveis na sua aquisição pelos alunos.
Uma professora de ciências faz, na 6a série, a seguinte
dinâmica com os alunos antes de entrar no tema de sistemática animal e vegetal:
Distribuí os alunos em equipes de quatro componentes. Cada equipe recebe
um pacote com botões dos mais variados tipos: diferentes cores, tamanhos,
número e posição dos furos. Os alunos devem classificar os botões do modo que
desejarem. Depois de algum tempo, ela passa pelas equipes discutindo os
critérios que foram utilizados. Finalmente, há uma discussão geral na sala.
Essa técnica simples permite desenvolver a noção do que seja
classificar, o estabelecimento de critérios e parâmetros de classificação que
sejam melhores ou piores. Em uma das salas, um grupo fez apenas dois grandes
montes de botões. Depois de analisá-los, nenhum outro grupo conseguiu descobrir
qual fora o critério de classificação. Os alunos responsáveis por esta
esclareceram: "feios e bonitos". Naturalmente, foi um bom ponto de
partida para a discussão de objetividade de critérios.
Naturalmente, não é objetivo dessa
professora ensinar a classificar botões. O "conteúdo" botões não faz
parte do seu programa. O objetivo é
trabalhar conceitos básicos de classificação, desenvolver a habilidade de
classificar, necessária para que se compreendam e se possam utilizar as
taxonomias animal e vegetal.
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