O cuidado da gestão com os fatores intraescolares ajuda a assegurar um ensino de qualidade para os alunos
Por: Cláudio Neto
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O título deste texto soa pretencioso e isso me obriga a esclarecer que não se trata de uma ideia “iluminada” ou presunçosa. Os seis passos aqui apresentados foram extraídos do relatório do Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), elaborado a partir das informações dos questionários da Prova Brasil de 2017, e já foi objeto de análise da repórter Laís Semis. A minha proposta é tão somente deslocar a discussão para a perspectiva da gestão escolar.
Quando se fala em qualidade e equidade em Educação é preciso levar em conta os múltiplos fatores que operam nessa equação. Nesse sentido, considerar o âmbito de governabilidade do gestor e da escola não anula os determinantes macroestruturais como a política educacional e o impacto da desigualdade social no sucesso ou insucesso dos estudantes. Para se ter uma ideia, Japão e Taiwan, países que ocupam, respectivamente, a 2ª e a 4ª posição dentre 73 países avaliados no Pisa (2015), com 538.4 e 532.3 pontos em Ciências, não obtêm o mesmo resultado nas escolas de nível socioeconômico baixo e não atingem a média da OCDE, de 493 pontos. Na França, escolas com alunos de baixa renda obtiveram 100 pontos a menos em leitura. No caso do Brasil, que teve um dos piores resultados do Pisa (2015), com o 63° lugar em Ciências, 59° em leitura e 66° em Matemática, as desigualdades regionais são ainda mais marcantes.
A importância da gestão escolar e do cuidado com fatores intraescolares para assegurar um ensino de qualidade para os alunos é, portanto, essencial para alcançarmos mais facilmente os aspectos identificados e discutidos no relatório do Iede.
Promover uma gestão democrática
Esta é a primeira tomada de consciência de um gestor escolar, pois é dela que decorre toda a lógica de organização do seu trabalho, que será mais fecundo se a sua noção de democracia não se limitar apenas ao direito de participação nas instâncias de decisão da escola e chegar à conclusão de que o acesso ao saber deve ser a pedra fundamental na sólida construção da democracia no espaço escolar. É na confluência do direito à aprendizagem com o direito à participação que se desdobra um plano de gestão consistente.
Articular a participação dos pais na escola
Para 93,1% dos professores, a falta de acompanhamento dos pais causa problemas de aprendizagem, enquanto para 59% dos alunos de 5º ano os pais sempre ou quase sempre participam das reuniões na escola.
Os pais dos estudantes são aliados importantes da escola porque compartilham o mesmo objetivo. Assim sendo, eles não podem ser lembrados, apenas, quando os filhos apresentam alguma dificuldade ou dão algum tipo de trabalho. É importante integrar os pais à escola e torna-los parceiros de primeira hora para que participem do planejamento e das decisões – assim como na apreciação dos resultados obtidos pelos filhos e pela escola. É primordial investir nas reuniões de pais, nos conselhos de classe e de escola, além de ampliar as situações de diálogo entre a escola e a comunidade.
Garantir a inclusão na escola
Até o fim da década de 1980, a segregação era o principal problema enfrentado pelas pessoas que possuíam algum tipo de deficiência e isso incluía a escola. Na Educação isso começa a mudar no começo da década de 1990 e ganha mais destaque com a Declaração de Salamanca de 1994. Atualmente já se tem a compreensão da deficiência como uma expressão da diversidade humana e se entende que negligenciar a Educação Inclusiva equivale a exercer sobre a pessoa com deficiência uma forma particular de opressão social, como bem afirmou a estimada professora Débora Diniz.
O público alvo da Educação Especial está na sala de aula. Existe pelo menos um aluno com deficiência ou necessidade especial na escola para 90% dos gestores escolares, e 79% deles afirma não ter formação específica para trabalhar com esses estudantes. Todas essas dificuldades não podem ser desconsideradas e nós também sabemos o quanto é árdua a luta para assegurar o atendimento de qualidade às crianças e jovens com deficiência. Ainda assim, muitas escolas têm feito um grande esforço para isso e têm conseguido o seu objetivo. Os gestores e professores sabem que a educação inclusiva é um direito e que as dificuldades enfrentadas não podem se tornar um problema para as pessoas com deficiência, elas devem ser um desafio inspirador para o sistema de ensino.
Uma boa maneira de atuar frente a esse desafio é manter atualizado o censo dos alunos com necessidades especiais, inserir a inclusão na pauta de formação em serviço, demandar as necessidades da escola para as instâncias superiores, promover encontros mensais com os pais das crianças com necessidades especiais, a fim de ouvir o que eles têm a dizer, e também com as próprias crianças e jovens que conseguem dizer como é estar na escola e como a escola pode ser mais adequada para eles.
Cuidar do clima escolar e disciplinar
Um bom ambiente de trabalho com toda a equipe escolar, baseado no diálogo e na participação, e um bom clima em sala de aula são aspectos fundamentais para a aprendizagem, e nessas duas coisas o gestor pode atuar. Embora o clima escolar esteja mais diretamente ligado ao seu âmbito de governabilidade, é possível também ajudar diretamente os professores na criação de um bom clima disciplinar na sala de aula. Para isso, o gestor pode lançar mão de recursos que estão disponíveis, como os índices do clima disciplinar e da relação professor-aluno, que são duas variáveis consideradas na análise do desempenho escolar no Pisa. São instrumentos simples e eficazes que produzem dados que podem ajudar a entender e atuar frente à indisciplina e à aprendizagem dos alunos.
Se 50% dos gestores escolares declararam que funcionários e professores já foram vítimas de agressões verbais ou físicas, significa que o cuidado com os climas escolar e disciplinar deve entrar na agenda do gestor, sobretudo na pauta da formação em serviço.
Avaliar e monitorar os resultados da aprendizagem
De acordo com os dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2017, 18, 5% dos gestores escolares desconhece os resultados do Saeb do seu município e 25,7% desconhece os resultados do Saeb do seu estado. É imprescindível tomar conhecimento desses parâmetros para acompanhar os resultados internos e estabelecer metas para a aprendizagem dos alunos. Além disso, deve-se investir em vários tipos de avaliação – diagnóstico, processual, formativa, comparativa –, bem como apostar no conselho de classe como um processo capaz de assegurar uma melhor avaliação. Esse conselho tem melhor resultado quando conta com a presença dos alunos e dos pais, porque é nele que é possível rediscutir as expectativas de aprendizagem e o desempenho dos alunos nas avaliações, tal como é a hora de pensar no apoio aos alunos com dificuldades.
Acreditar no sucesso escolar dos alunos
A crença na capacidade dos alunos, também conhecida como profecia autorrealizável, cunhada pelo sociólogo Robert Merton, pode parecer uma coisa banal, mas ela é, na verdade, um dos fundamentos do trabalho na escola. Isso vale tanto para os gestores quanto para os docentes e demais profissionais da unidade educacional. Estudos indicam que a expectativa que os professores têm sobre os seus alunos influencia na aprendizagem. Nesse aspecto, o Saeb mostrou que nós não estamos indo bem: apenas 16% dos professores do 5º ano, 8% dos professores do 9º ano e 10% dos professores do 3º ano do Ensino Médio acham que todos os seus alunos entrarão na universidade.
Aliado a isso, o desempenho dos alunos em Português e Matemática na Prova Brasil é preocupante. Somente 34% dos alunos da escola pública sabia o adequado em Português ao final do 9º ano do Ensino Fundamental e 15%, em Matemática. Na rede pública, somente 43,4% dos alunos esperam completar o Ensino Superior ou realizar uma pós-graduação; na rede privada, o percentual sobe para 69%. Como se vê, a crença na capacidade e no sucesso dos alunos pode ser o ponto de partida para todos os outros aspectos, porque os alunos não irão bem na escola se nós também não acharmos que isso é possível.
Algumas considerações
Embora o cenário educacional brasileiro seja preocupante, não são poucos os gestores e educadores conseguem promover uma educação de qualidade em suas escolas, porque sabem que a luta para assegurar as condições ideias de aprendizagem não recusa a inovação pedagógica como resposta a boa parte dos seus dilemas. É por isso que entre 2005 e 2015, o número de escolas de anos iniciais do Ensino Fundamental com Ideb 7 ou superior cresceu 356 vezes e o número de escolas de anos finais do Fundamental cresceu 12 vezes. Ainda que os números sejam modestos, sobretudo nos anos finais do Ensino Fundamental, há uma indicação de trabalho consistente nas escolas, ao menos na primeira etapa do Fundamental.
Por fim, a pesquisa aponta os principais fatores que contribuem para a excelência das escolas, e isso nos parece valer tanto para as escolas de Ensino Médio quanto para as escolas de Ensino Fundamental. De acordo com o relatório do Iede, o modelo de gestão, a avaliação e o monitoramento, o currículo e a relação professor-aluno, bem como a existência de projetos para aumentar o vínculo dos alunos com a escola e/ou com o que está sendo ensinado contribuem para o ensino de excelência nas escolas.
Por outro lado, o baixo investimento na Educação, a ausência de uma política nacional de formação de professores e a desigualdade social são alguns dos fatores que têm dificultado a atuação do gestor escolar e dos educadores em geral. Para reverter essa situação, é necessário organizar a escola e as condições de aprendizagem. Estamos diante de duas opções: nos resignar diante do quadro atual da Educação ou resistir e lutar em nome da solidariedade aos alunos e da natureza política do ato educativo. Afinal, a situação atual da educação no Brasil não é mera consequência da política nacional, é parte de sua estratégia.
Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Indisciplina e Violência Escolar: dilemas e possibilidades.
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