O filme que é um dos recordistas de bilheteria vai muito além da história comum de super-herói
- Crédito: Divulgação
AVISO: O texto a seguir pode conter spoilers
Pantera Negra já é um fenômeno do cinema. Lançado no dia 15 de fevereiro, se tornou o filme da Marvel com maior arrecadação de bilheteria na primeira semana. Fotos e vídeos de crianças e adultos – em sua maioria, negros – orgulhosos nas salas de cinema volta e meia aparecem nas redes sociais. Escolas e ONGs nos Estados Unidos e aqui no Brasil lançam campanhas de financiamento colaborativo para levar seus alunos para assistir ao filme.
Antes mesmo de sua estreia, Pantera Negra já gerava expectativas por ser a primeira produção da gigante Marvel sobre um herói negro, com elenco predominantemente negro. Se você está alheio a todo o falatório, é bom tentar entender, pois provavelmente os seus alunos sabem do que estamos falando.
O filme conta a história de T’Challa (Chadwick Boseman), um jovem príncipe prestes a assumir o trono deixado por seu pai. Junto com a responsabilidade de ser rei, vem a responsabilidade de receber os poderes do herói Pantera Negra, passado também entre gerações da família real.
T’Challa lidera a nação fictícia Wakanda, localizada na África. Um país rico que conjuga o respeito à natureza e às tradições com um avançado desenvolvimento tecnológico.
Questões políticas e ideológicas incrementam a narrativa, que vai além da clássica jornada de queda e ascensão do herói. “O filme traz a grande contribuição de mostrar a diversidade das pessoas negras, expressa nos figurinos coloridos e variados, nas paisagens urbanas cosmopolitas conjugadas com áreas de paisagem natural, sem criar hierarquias batidas entre rural e urbano”, defende Giovana Xavier, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“É um prato cheio para o professor aplicar a lei 10.639” (sobre a obrigatoriedade de trabalhar a história e a cultura afro-brasileira nas escolas), afirma a professora Ariane Cristina Neves, da EMEF Professora Ana Maria Alves Benetti, em São Paulo.
Mesmo sem ter visto o filme, Ariane já estudou a respeito e elaborou projetos didáticos com as colegas para turmas do Ensino Fundamental 1, que vão relacionar o filme com aspectos da cultura afro-brasileira, como as lendas e os reinados africanos.
Com a ajuda de Ariane e Giovana, NOVA ESCOLA traz sugestões de temas que você pode abordar nas aulas ou em conversas com seus alunos (vale lembrar que o filme contém cenas de violência, e sua classificação indicativa é de 14 anos). Confira depois do trailer:
Mitos africanos e o respeito pela ancestralidade
O filme começa com uma explicação mística sobre a fundação do país fictício Wakanda, na África. A lenda também explica de onde vêm os poderes do herói, Pantera Negra. “Muitos povos usam lendas e mitos para explicar alguns fenômenos da natureza. O candomblé e a umbanda trazem essa relação entre natureza e divindade”, lembra Ariane. Em outro momento, vemos que a coroação de um líder do governo, o rei, envolve o contato com os espíritos e uma série de elementos místicos. Em sala de aula, converse com seus alunos sobre quais lendas e mitos de países africanos eles conhecem. Se necessário, você mesmo pode trazer algumas referências e pedir que eles pesquisem na internet.
Plano de aula: Influências culturais da África
Reinados africanos
Estamos acostumados a ver a história da África somente a partir da colonização e a escravidão, mas o continente já era rico de histórias e reinados muito antes disso.
O protagonista do filme, T’Challa, é um príncipe prestes a assumir o trono, após a morte de seu pai. Aproveite a trajetória de T’Challa para apresentar aos alunos outros grandes reis e rainhas africanos: a rainha N’zinga, de Angola, Makeda, da Etiópia ou o império Ashanti. Se, como Ariane, você quiser relacionar o conteúdo com a cultura brasileira, uma sugestão é investigar por que algumas manifestações artísticas populares, como o congado, sempre trazem as figuras do rei e da rainha.
A força da mulher
Uma guarda real formada exclusivamente por mulheres e liderada por uma general capaz de contrariar seu marido em nome do que acredita. Uma agente secreta que viaja pelo mundo ajudando refugiados. Uma jovem princesa cientista que tem seu laboratório de pesquisa e desenvolve tecnologias avançadas, que potencializam os poderes de seu irmão.
Em Pantera Negra, as mulheres estão longe de ser coadjuvantes na trama ou assumir o papel da “mocinha” que precisa ser salva pelo herói: são peças fundamentais na resolução dos problemas. Valorizar essas figuras femininas ajuda a quebrar estereótipos construídos desde cedo no imaginário das crianças sobre atividades, profissões e posturas femininas e masculinas.
Colonização africana no século 19
A atriz Lupita Nyong’o, que interpreta a agente secreta Nakia, afirmou recentemente em uma entrevista que Wakanda representa o que as nações africanas poderiam ter sido, se não tivessem sido colonizadas pelos brancos: grandes potências tecnológicas.
A temática da colonização e da subjugação dos africanos pelas nações europeias no século 19 é citada desde o início do filme, em momentos de ação, humor e drama. O próprio vilão demonstra ter consciência a respeito, quando provoca a funcionária de um grande museu em Londres que guarda artefatos africanos dos séculos 16 e 17. Estudantes do Ensino Fundamental 2 ou do Ensino Médio podem fazer uma reflexão sobre o processo de colonização do continente e as danosas consequências para sua economia e política.
Movimento negro: autopreservação ou luta armada?
- Martin Luther King e Malcolm X em seu único encontro presencial, em 1964. Crédito: Wikimedia Commons/Wikipedia
Wakanda buscou se resguardar dos acontecimentos externos ao longo dos anos. As montanhas ao seu redor e uma barreira criada com o metal mais precioso da Terra ajudam a esconder o grau gigantesco de desenvolvimento tecnológico. Para o mundo externo, esse é um país em desenvolvimento que sobrevive de agricultura familiar.
Ao longo da narrativa, o isolamento é questionado por alguns personagens e passa a se tornar um peso na consciência do protagonista. Eles não deveriam usar seu poder para ajudar os negros pobres e explorados em todo o mundo? Por sua postura antagônica, muitos comparam o protagonista e o vilão com dois ativistas que fizeram história no movimento dos direitos civis nos Estados Unidos: Martin Luther King e Malcolm X. Enquanto o primeiro era pastor e buscava o diálogo com as instituições que oprimiam os negros na década de 1960, o segundo tinha uma visão mais extremista e acreditava que a supremacia branca deveria acabar através do conflito direto.
Além de explorar a vida dos ativistas e suas semelhanças e diferenças com os personagens, os alunos dos anos finais do Fundamental 2 e do Ensino Médio podem debater sobre os diferentes tipos de ativismo e se colocar no lugar do soberano de Wakanda: o que eles fariam? Compartilhariam seu conhecimento para ajudar os negros a se rebelarem, mesmo que isso causasse mais guerras, ou protegeriam seus recursos para garantir o conforto de sua nação, alheios aos acontecimentos globais?
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