Escrita
profissional: a importância dos registros feitos pelos professores
Do planejamento à avaliação, a documentação é uma
ferramenta indispensável para organizar, analisar e reavaliar a prática docente
Luiza Andrade
Para quem dá aulas, o registro representa muito mais que um roteiro de
aula ou uma enumeração de atividades desenvolvidas com a turma. Escrever sobre
a prática faz pensar e refletir sobre cada decisão que foi ou será tomada,
permitindo aprimorar o trabalho diário e adequá-lo com frequência às
necessidades dos alunos.
O que não falta no dia a dia do professor são oportunidades para colocar ideias
e reflexões no papel - ou na tela do computador. Ao fazer o planejamento, por
exemplo, ele pode antecipar o que pretende alcançar em sala e pensar em como
trabalhar com o grupo. "Sem essa reflexão, o docente corre o risco de
estar sempre improvisando", diz Paula Stella, coordenadora pedagógica do
Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo.
Já ao elaborar registros ou anotações depois das aulas, é possível se
questionar sobre o que aconteceu em classe e identificar as conquistas da turma
e os conteúdos que ainda precisam ser mais bem trabalhados. "Ao escrever,
é inevitável que surjam perguntas sobre se a organização da sala colaborou ou
não para atingir os objetivos desejados. O saldo da avaliação serve de base
para o planejamento de ações futuras", afirma Paula. É preciso, porém,
diferenciar os vários tipos de registro. Segundo o educador espanhol Miguel
Zabalza, "há aqueles com características basicamente burocráticas. São os
que contêm apenas os temas abordados, as presenças e as faltas. Seu valor é
relativo e têm pouco a ver com a qualidade do trabalho docente". Os mais
interessantes são os que se referem às discussões críticas da turma, apresentam
observações sobre o processo de ensino e aprendizagem, reproduzem frases das
crianças e reúnem exemplos da produção. "Ou seja, são os que permitem
construir o círculo da qualidade de ensino: planejar, realizar, documentar,
analisar e replanejar", completa Zabalza.
Criar um ciclo como esse - em que os registros das aulas alimentam novos
planejamentos, dos quais nascem projetos enriquecidos - não é tarefa simples.
De acordo com a educadora Madalena Freire, uma das maiores dificuldades é
inserir essa prática na rotina como uma tarefa indispensável: "A escrita
ref lexiva é uma arma de apuração do pensar. E, para fazê-la, é preciso
reservar tempo". Outro desafio é o uso que se faz dessa documentação. Ela
já é válida por si só, mas ganha outra dimensão quando compartilhada com o
coordenador pedagógico (leia o quadro abaixo).
Em parceria é melhor
Em cada uma das escritas reflexivas feitas pelo professor, há elementos para
que ele cresça como profissional e melhore seu desempenho, desde que elas sejam
compartilhadas com um formador que o oriente. Esta é uma das mais importantes
funções do coordenador pedagógico: enxergar as conquistas dos membros da equipe
e as dificuldades que cada um enfrenta em sala de aula para escolher a melhor
maneira de orientá-los. É o que relata Regina Scarpa, coordenadora pedagógica
da Fundação Victor Civita (FVC), no livro Era Assim, Agora Não...: "As
intervenções que (eu) realizava (como coordenadora pedagógica) tinham como
objetivo fornecer aos professores novas informações e critérios para que assim
reavaliassem sua prática pedagógica, reinterpretando-a agora com novos
referenciais". Pensando nisso, professores e coordenadores da EM Dr.
Euzébio Dias Bicalho, em São Gonçalo do Rio Abaixo, a 84 quilômetros de Belo
Horizonte, aproveitam reuniões periódicas para avaliar os registros e colocar
melhorias em prática. A professora Edilene Chaves Conazart faz parte do grupo e
conta que juntos eles percebem conquistas, limites e obstáculos. Em uma
ocasião, a coordenadora pedagógica Arethusa da Costa Carvalho Assis pediu que
ela registrasse mais que os alunos falavam durante as atividades. "Depois
dessa conversa, os relatórios ficaram mais ricos e foi possível dar mais atenção
a conteúdos como a participação das crianças nos grupos e a cooperação entre
elas", conta Edilene. "Senti falta também de relatos sobre as
atividades de História e Geografia", lembra Arethusa. Essa dica serviu
para que a professora desse mais atenção a essas disciplinas, já que a
tendência dela era propor mais trabalhos com Língua Portuguesa. Juntas elas
preparam o gráfico de rendimento dos estudantes e analisam os avanços da
turma.Os registros podem ser: planejamento (atividade permanente, sequência
didática e projeto didático), de classe (notas, pautas de observação e diários)
e avaliação (relatórios individuais e coletivos). Alguns são mais usados, como
os diários, que, pela sua flexibilidade, permitem cobrir diversos propósitos.
"Eles podem ser documentos pessoais para descarregar as próprias tensões;
um instrumento de observação, que sirva de espaço para documentar as situações
interessantes que ocorrem em classe; um dispositivo que auxilie no planejamento
do trabalho do professor com o projeto educativo em vigor; ou um recurso de
investigação para analisar os dados que se queira estudar", esclarece
Zabalza.
Conheça os vários tipos de registro e a melhor maneira de elaborá-los.
Planejamento
A professora Maria Lima Cena, da 2ª série da EMEF Ângela Bezerra, em
Serra Pelada, a 800 quilômetros de Belém, faz o planejamento de todas as aulas.
"Comecei a programar o que ia falar aos alunos no encaminhamento das
atividades. Enquanto escrevia, previa situações que poderiam acontecer",
conta Maria. De acordo com os objetivos de ensino, é possível prever diferentes
modalidades organizativas dos conteúdos:
■ ATIVIDADE PERMANENTE
O que é Trabalho didático
realizado regularmente (diária, semanal ou quinzenalmente), como ler para os
alunos, organizar rodas de conversa e reservar uma aula da semana para a
produção de pinturas e desenhos no ateliê.
Objetivos Familiarizar a turma com
um conteúdo e formar hábitos. Ao fazer leituras diárias, por exemplo, as
crianças aprendem sobre a linguagem escrita e desenvolvem comportamentos
leitores.
Organização Prever objetivos, conteúdos, duração da
atividade, materiais necessários e como será feita a avaliação.
Como usar Realizar atividades
permanentes não significa fazer sempre a mesma coisa. A proposta deve ser
empregada com regularidade durante o ano ou um semestre e oferecer novos
desafios (rodas de leitura em que livros cada vez mais difíceis são lidos pelo
professor).
■ SEQUÊNCIA DIDÁTICA
O que é Série de atividades
envolvendo um mesmo conteúdo, com ordem crescente de dificuldade, planejadas
para possibilitar o desenvolvimento da próxima.
Objetivo Ensinar conteúdos que exijam tempo para
aprender e aprofundamento gradual, como o reconhecimento das características de
uma paisagem brasileira em Geografia, uma série de experiências para observar a
ação de micro-organismos em Ciências ou a leitura da obra de um autor em Língua
Portuguesa.
Organização Prever a ordem em que as atividades serão
propostas, os objetivos, os conteúdos, os materiais, as etapas do
desenvolvimento, a duração e a maneira como será feita a avaliação.
Como usar A maioria dos conteúdos
exige tempo para aprender. Por isso, a sequência didática é a modalidade
organizativa mais presente no planejamento. Escolher os conteúdos mais
importantes, organizar a série, garantindo a continuidade, e distribuí-los
durante o ano. O número de atividades de cada sequência é variado, assim como o
tempo de duração (ambos dependem do objetivo e da resposta da turma às
propostas).
■ PROJETO DIDÁTICO
O que é Conjunto de ações para a
elaboração de um produto final que tenha uso pela comunidade escolar. Uma de
suas características é envolver a turma em todas as etapas do planejamento.
Objetivo Reunir conteúdos
abrangentes, atingindo propósitos didáticos e sociais. Um projeto de leitura e
escrita, por exemplo, em que os estudantes fazem um livro de receitas ensina a
ler e escrever e trabalha com valores nutricionais. Pode ter como meta mostrar
à comunidade como aproveitar as frutas regionais.
Organização Prever os momentos de planejamento e de
discussão em grupo e os de trabalhos individuais. Colocar justificativas,
aprendizagens desejadas,etapas do desenvolvimento, produção, maneiras de
divulgar o produto final, duração e avaliação final.
Como usar A duração é variada, mas
sempre ocupa dois meses ou mais. Por isso, o ideal é propor um ou dois por ano
para cada turma. Desenvolve-se o conjunto das atividades do projeto sem
abandonar as atividades permanentes e as sequências didáticas.
Registros de classe
Notas, pautas de observação e diários ajudam a
acompanhar o desenvolvimento dos alunos e são uma fonte de aprendizado para o
professor. Juliana Diamente, que dá aulas para a 1ª série da EE Professor
Flávio Xavier Arantes, em Guarulhos, na Grande São Paulo, elabora pautas de
observação ao menos seis vezes por ano: "Com elas, consigo verificar a
evolução da turma ao longo do ano e ganho dados para fazer avaliações".
Conheça os modelos de registros de classe:
■ NOTAS
O que são Anotações curtas feitas
nas aulas, como frases, comentários dos alunos, perguntas e dúvidas levantadas
por eles, conteúdos a serem pesquisados, informações para checagem etc.
Objetivo Lembrar momentos importantes e não perder
dados significativos do processo de ensino e aprendizagem.
Organização Deixar sobre a mesa uma prancheta, sulfites
e canetas. Não é preciso se preocupar com a ordem nem com a profundidade dos
apontamentos.
Como usar Elas serão a base de
planejamentos futuros, relatórios mais detalhados sobre projetos ou atividades
e dos relatórios de avaliação dos alunos.
■ PAUTAS DE OBSERVAÇÃO
O que são Tabelas de duas ou mais entradas, nas quais
aparecem o nome dos alunos e os conteúdos didáticos ou atitudinais a ser observados.
Objetivo Acompanhar a evolução do aprendizado de um
ou mais conteúdos ao longo do ano.
Organização Tabular os nomes e os as pectos a serem
analisados. Legendar a tabela com conceitos ou cores referentes a um estágio de
aprendizagem. Preencher durante ou logo após a atividade.
Como usar De tempos em tempos, é preciso fazer a
análise e a comparação das tabelas. Quanto maior a frequência com que elas
forem preenchidas e analisadas, mais informações se tem sobre o avanço de cada
estudante e mais rápido é possível fazer intervenções.
■ DIÁRIOS DE AULA
O que são Narrativas sobre o que
aconteceu na sala de aula, tanto em relação a comentários e produções dos
alunos como em relação a si mesmo (impressões e ref lexões).
Objetivos Ref letir sobre o planejamento e sua
adequação às necessidades dos alunos, ter pistas sobre os rumos que se pode
tomar, documentar o trabalho feito com a turma e aprofundar ideias para serem
usadas no futuro.
Organização Ter um caderno reservado para o diário (ou
um arquivo no computador) e escrever nele logo depois da aula, ou nos dias
posteriores, para que os fatos não sejam esquecidos. O mais importante é
registrar o maior número possível de dados, sempre ref letindo e avaliando a
prática pedagógica e não apenas listando as atividades.
Como usar Uma das principais
utilidades é o compartilhamento com o coordenador pedagógico, que poderá, com
base nas ref lexões do docente, ajudar a reavaliar sua prática pedagógica. O
ideal é escrever com frequência e recorrer aos diários quando planejar e
avaliar.
Avaliação
Reunir o material produzido por cada aluno e
relembrar as vivências em sala para fazer um relatório requer dedicação. A
professora Simone Figliolino, da EMEF Zilka Salaberry de Carvalho, em São
Paulo, vê nesse documento que prepara regularmente para mandar aos pais uma
forma de relacionar a teoria com a prática: "Depois de algum tempo,
retorno a eles e aprendo com as situações".
■ RELATÓRIO
O que é Avaliação do desempenho de
uma criança ou do grupo durante um determinado período.
Objetivo Documentar o desempenho dos estudantes para
comunicar às famílias as aprendizagens.
Organização Pautas de observação, notas e diários são
fundamentais na hora de elaborar os relatórios. Nas escolas onde não há um
modelo, uma dica é começar com um breve relato do que foi trabalhado com a
turma naquele período. Em seguida, para cada aluno, relatar como foi o avanço
global em relação aos objetivos iniciais. Vale lembrar que elementos como falas
e desenhos enriquecem o registro e facilitam o diálogo com a família. O
coordenador pedagógico deve aparecer como corresponsável pelo documento, com
quem o professor compartilha o material e ref lete sobre ele.
Como usar Cada escola trabalha com
uma periodicidade para enviar a avaliação aos pais - bimestral, trimestral ou
semestralmente. Em todos os casos, é preciso começar a produção dos relatórios
com antecedência, pois o detalhamento requer tempo e reflexão.
Quer saber
mais?
CONTATOS
Casa do Professor São
Gonçalo do Rio Abaixo, R. Augusto Pessoa, 56, 35935-000, São Gonçalo
do Rio Abaixo, MG, tel. (31) 3833-5218
Casa do Professor Serra
Pelada, Av. Nova República, s/nº, 68523-971, Serra Pelada, PA,
tel. (94) 3314-2004
EE Professor Flávio
Xavier Arantes, R. Miguel Fernandes Maldonado, 57, 07143-222,
Guarulhos, SP, tel. (11) 6402-2026
EMEF Zilka Salaberry de
Carvalho, R. Antônio da França e Horta, 35, 02652-110, São
Paulo, SP, tel. (11) 2258-1001
Madalena Freire,
madalenafreire@gmail.com
BIBLIOGRAFIA
Diários de Aula - Um
Instrumento de Pesquisa e Desenvolvimento
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