quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Contribuições

Sinto-me triste por esta perda: Martha Dantas. Eu tive a especial oportunidade em conhecê-la e mais que isso, desfrutar de sua sabedoria muitas e muitas vezes em diversas ocasiões. Para aqueles que não tiveram esse privilegio, anexo, um texto que produzimos há alguns anos sobre sua trajetória pela Educação. Este texto esteve por longo tempo disponível na página do CIAEM quando estive na diretoria. Vale a pena saber um pouquinho sobre esta grande mestra.

Maria Salett Biembengut

MARTHA MARIA DE SOUZA DANTAS

Martha Maria de Souza Dantas nasceu em Salvador, Bahia, filha de Álvaro Cirne Dantas, comerciante, e de Maria Dulce de Souza Dantas. Iniciou o curso primário no Colégio das Sacramentinas em Salvador, terminando-o em Alagoinhas, na Escola 15 de Novembro. Ao final da 4a série, submeteu-se, com mais quatro colegas, ao Exame de Admissão. Foi aprovada "com distinção". Quando terminou o curso primário, em 1935, uma mulher não tinha muitas chances de escolha. O caminho era o magistério primário e, como em Alagoinhas não havia Escola Normal, foi levada para o Colégio N. Sr3 da Solenidade, em Salvador, onde estudou durante seis anos como aluna interna. Os professores eram, na sua maioria, médicos e engenheiros. Quanto ao interesse pela Matemática, ela não sentia dificuldade para estudar Matemática e precisava trabalhar. Ela queria ser financeiramente independente. A Filosofia a atraía, mas não tinha o mercado que a Matemática oferecia.
Martha ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia em 1945, onde fez os cursos de Bacharelado e Licenciatura em Matemática, terminando em 1948.
Nos quatro primeiros anos, estudou Aritmética, Álgebra e Geometria, a nível de Ginásio, e nos dois últimos anos (Curso Pedagógico), estudou Pedagogia e Metodologia numa abordagem generalizada. Aprendeu a expor assuntos e exigir que os alunos os ouvissem. Os livros adotados não ofereciam condições para mudanças. Quando realizou a aula prática, no final do curso, não se admirou que a professora dissesse que ela daria uma excelente professora para o ensino fundamental (nível de ginásio), mas que sua formação para o primeiro ciclo não era a desejável. Sua professora  foi muito generosa porque eu havia usado o processo expositivo que nunca foi excelente para o curso fundamental.
Tanto o curso de Bacharelado, como os de Licenciatura eram fracos àquela época. Ao terminá-los, Martha não se sentia devidamente preparada para enfrentar o ensino de Geometria no Curso de Colégio. Mas dificuldades maiores ela veio a sentir mais tarde, quando se inscreveu para cursos de Especialização no Instituto de Matemática e Física e quando pensaram em introduzir Matemática Moderna no curso secundário.
Em 1952, Martha tomou-se responsável pelo curso de Didática Especial da Matemática, na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia. Preocupou-se, sobremodo, a problemática do ensino da Matemática. Eu não sabia como mudar e não encontrava publicações que me sugerissem uma mudança. Naquela época, os cursos de Metodologia da Matemática eram, por vezes, até ridicularizados e, talvez por isso, não contavam com literatura apropriada para os mesmos. Foram essas dificuldades que a levaram a solicitar da Reitoria da Universidade Federal da Bahia e da Secretaria de Educação do Estado da Bahia a per­missão de se ausentar do País, para observar, em 1953, na Bélgica, na França e na Inglaterra, o ensino da Matemática e sua organização. Ela sempre valorizou e continuou valorizando a troca de experiências, principalmente no campo da educação onde o sujeito é sempre o mesmo  o aluno. O curso de Didática Especial da Matemática, que ela sabia existir nas universidades da Bélgica, foi o que a fez decidir, inicialmente, por esse país. O interesse de conhecer o ensino da Matemática num país que não fosse latino a fez pensar na Inglaterra. O entusiasmo que sempre teve pelas publicações francesas e as informações que recebia do Centro Internacional de Estudos Pedagógicos de Sèvres levaram Martha a incluir a França. Ela traçou um roteiro e conseguiu cumpri-lo. Sem nenhuma apresentação oficial, teve que assumir a responsabilidade das suas pretensões e assim o fez. Na Bélgica, dirigi-se, imediatamente, ao Secretário do Ministério de Educação, M. Vandenborre, que providenciou, imediatamente, para que ela visitasse a Universidade Livre de Bruxelas, a Universidade de Louvain e Inspetores de Ensino que deveriam falar do ensino da Matemática e providenciar escolas que ela pudesse visitar para observar o referido ensino. As primeiras informações sobre o ensino da Matemática na Bélgica eu as obtive de M. Vandenborre. O ensino na Bélgica estava passando por uma reforma nos seus programas; estes, apesar de todo o trabalho que há anos se processa, estão sendo executados ainda em caráter provisório. O plano de reforma tem sido inspirado, largamente, nas últimas conquistas da Psicologia e, particularmente, nos métodos de Pedagogia Moderna notadamente patrocinados pelo Dr. Decroly. Quanto à formação didática dos licenciados, ela espera que se chegue, ainda, a tornar obrigatório um estágio de um ano. Segundo Martha, sabe-se que não há bom ensino sem bons mestres e sem remunerações justas, o problema da remuneração do pessoal foi muitas vezes tratado depois da guerra e se resolve progressivamente. Ao freqüentar as aulas de Metodologia Especial da Matemática, na Universidade Livre de Bruxelas, ela constatou que a orientação dada aos alunos, pelo professor de Metodologia, na preparação das aulas práticas, capacitava-os para implantar os mais avançados processos de ensino. Ao chegar à Inglaterra, conseguiu hospedar-se no "Ursuline Convent High School", onde estagiou durante um mês. Por intermédio do British Council, conseguiu visitar duas excelentes es­colas secundárias. O ensino da Matemática tinha caráter mais experimental. Os programas eram adaptados às necessidades do comércio e teve oportunidade de assistir, naquelas duas escolas, a aulas especializadas nesse sentido. Passando, agora, a falar da França. O caráter experimental do Centro Internacional de Estudos Pedagógicos de Sèvres, as vantagens oferecidas aos estrangeiros que para lá se dirigiam e, sobretudo, o espírito acolhedor de sua Diretora, Madame Hatinguais, justificaram, plenamente, a escolha de Martha. Todo o trabalho de reforma do ensino da Matemática na França estava sendo fundamentado nos mais avançados conhecimentos de Psicologia e Pedagogia da época. Graças a Mme. Hatinguais, Martha obteve permissão para visitar dois dos melhores Liceus de Paris: La Fontaine e Camille See. No primeiro. Liceu La Fontaine, assistiu sobretudo, às aulas de Geometria Analítica, dadas por Mlle Felix, numa secção de Matemática Elementar. Ainda em Sèvres, nos últimos dias de outubro de 1953, foi convidada a assistir ao Estágio dos Chefes de Equipe das "Classes Pilotes" do primeiro ciclo. Apesar de se tratar do estudo e discussão de assuntos de interesse geral, aproveitou a oportunidade para ver como os estágios se processavam. E aqueles três dias de contato com aqueles professores de toda a França a fez sentir quanto era importante uma tomada de posição dos problemas de ensino em âmbito nacional. Pensou na situação brasileira. Era preciso fazer cessar o isolamento no qual vivia, no Brasil, um país de dimensões continentais, os que ensinavam Matemática naquela época. Era preciso coordenar esforços para analisar a situação existente e encontrar novos rumos para a educação matemática.
Quanto ao modelo que mais a atraiu, cada um exerceu uma atração diferente. O modelo inglês permitia, certamente, que todos os alunos aprendessem melhor o que podiam entender e necessitar, o que é desejável. Na França e na Bélgica sentiu uma preocupação maior do ensino da Matemática em função da sua contribuição para a cultura geral. Era notória a atenção dada à Didática que, na França, estava constituindo assunto de pesquisa. O “trabalho dirigido”, estava sendo aplica­do. Finalmente, para implantar as idéias que, nas andanças pela França, Bélgica e Inglaterra passou a acalentar, pensou em divulgá-las num encontro.
Nos países por ela visitados sentiu, imediatamente, a busca por um ensino melhor, de Matemática. A ênfase dada ao ensino da Geometria, com demonstração revelava a importância dada ao raciocínio. Mas, o que mais a impressionou na França, em Sèvres, foi a vontade de se libertarem do processo expositivo de ensino, que até hoje domina no nosso país, pesquisando novos modos de proceder.
Martha aprendeu que a linguagem dos conjuntos é a linguagem da Matemática Moderna, o estudo das estruturas de ordem, algébricas e topológicas é o seu objeto e o método axiomático o seu método. Linguagem, objeto e método a diferenciam da Matemática convencional.
Movimentos mundiais, na década de 50, liderados por filósofos, psicólogos, matemáticos e pedagogos, mostraram a necessidade de introduzir, já no ensino médio, uma Matemática estruturada. A vontade de aderir a esses movimentos se expressou na discussão do tema "Matemática Clássica ou Matemática Moderna?" que constou do Ternário do 2° Congresso Nacional do Ensino da Matemática, realizada em Porto Alegre, em 1954-1957. Na Bahia, o movimento para introduzir a Matemática Moderna começou em 1964, no CECIBA (Centro de Ensino de Ciências da Bahia), tendo Ornar Catunda corno mentor e uma equipe de excelência, constituída por suas ex-alunas Eliana Nogueira, Neide Clotilde de Pinho e Souza, Eunice Guimarães e Norma Coelho de Araújo. Elaboraram um Projeto Especial, "Desenvolvimento de um currículo para o ensino atualizado da Matemática". Para executá-lo, passaram a se dedicar à produção de livros textos caracteriza­dos pelo enxugamento e modernização dos programas, pelo destaque ao estudo das transformações geométricas e por uma metodologia que despertasse no aluno o prazer pela descoberta. No momento em que passaram a elaborar os textos, se depararam com um sério problema: o da abordagem da Geometria. A Geometria tinha quase desapareci­do dos programas do curso secundário e, para trazê-la de volta, era preciso conhecer as causas que determinaram o seu desaparecimento. A experiência apontava como causa principal a falta de renovação do seu ensino o que a fez perder o vigor. A Geometria de Euclides continuava sendo ensinada nas escolas brasileiras, quando isso acontecia, na sua apresentação milenar, excessivamente formal, no seu aspecto quase de medida. Das recomendações de eminentes matemáticos, deduziram que o estudo da Geometria, através das transformações geométricas, permite assentar noções abstratas sobre bases intuitivas mais simples e mais sólidas, tomando-as compreendi­das melhor e facilitando a demonstração de propriedades que envolvem. Além disso, utilizando as transformações geométricas no ensino da Geometria, dispõe-se de inigualáveis materiais para desenvolver a imaginação e a criatividade do aluno. E admitindo a importância dos conceitos de relação e estrutura para a educação matemática, considerada como instrumento de modernidade, teriam um motivo a mais para utilizar as transformações geométricas e explorar a sua riqueza estrutural. Catunda aceitou o desafio e os textos foram elaborados. Faltava preparar os professores do curso secundário para a nova abordagem a ser introduzida; assumiram não só a preparação dos cursos como, também, a execução dos mesmos para preparar os professores que quisessem participar da mudança. Os novos textos foram, inicialmente, aplicados no Colégio Aplicação da UFBA; os resultados foram compensadores porque os professores que assumiram as classes estavam devidamente preparados para a experiência e os alunos tinham condições para enfrentar a mudança. Mas nem todos os professores obtiveram sucesso. As criticas que se faziam ao ensino da Matemática Moderna em nível médio recomendavam um retrocesso do caráter abstraio e dedutivo com que se tratavam às estruturas matemáticas e uma maior concentração sobre a compreensão e aplicação dessas estruturas, consideradas num nível menos formal. Mas a oportunidade que o CECIBA proporcionou de introduzir a Matemática Moderna no curso secundário, de analisar os êxitos obtidos e as dificuldades criadas para o aluno pelo ensino adotado, para, então, buscar outros caminhos, justificou, plenamente, a sua criação. Não fora a experiência do CECIBA e até hoje estaríamos sem saber por que rejeitar a Matemática Moderna e em que medida ela deveria ser rejeitada  definir o que devia ser excluído e o que era preciso conservar de tudo que foi feito.
Foi em Sèvres, em 1953, que, ao participar de uma reunião de professores de toda a França, Chefes de Equipe das "Classes Pilotes" do primeiro ciclo, onde foram discutidos problemas gerais do ensino, que Martha jurou a si mesma realizar no meu país um Encontro que reunisse professores de Matemática do ensino secundário de todo o país, para analisar a situação existente e traçar novos rumos para a Educação Matemática. E o encontro idealizado se realizou em Salvador, de 4 a 7 de setembro de 1955 e se chamou I Congresso Nacional de Ensino da Matemática; e outros se sucederam. Segundo André Luiz Mattedi Dias, professor do Departamento de Ciências Exatas da UEFS, o "I Congresso de Ensino da Matemática" tornou-se referência fundamental para o pro­cesso de fundação do Instituto de Matemática e Física (IMF), porque foi nesse evento que se conheceram o professor Ornar Catunda e Aríete Cerqueira Lima, a principal articuladora da findação do IMF, em 1960. Com a fundação do IMF, Aríete começou a melhorar a formação do licenciado em Matemática, que na época era a pior possível na Bahia e, conseqüentemente, a prepará-lo para atender às solicitações da Educação Matemática. Catunda foi quem ajudou a elaborar textos para provocarmos mudanças inadiáveis no ensino da Matemática. Quanto à Sociedade Brasileira de Educação Matemática, a idéia de fundá-la não foi deles. Segundo consta dos anais do I ENEM, Foi em Guadalajara, México que, em novembro de 1985, 11 professores brasileiros participantes da “6a Conferência Interamericana de Educação Matemática", que lá se realizava, decidiram assumir a retomada da série de Congressos Brasileiros de Educação Matemática e criar a Sociedade Brasileira de Educação Matemática. A PUC-SP, por meio da Faculdade de Ciências Matemáticas e Físicas, sediou o "I Encontro Nacional de Educação Matemática", realizado em São Paulo, de 2 a 6 de fevereiro de 1987, e Tânia Ma­ria Mendonça Campos o coordenou.
Martha sempre pensou e não para de pensar em pesquisa. É preciso acompanhar a evolução do conhecimento e os avanços da tecnologia, para que o conhecimento a ser apresentado ao aluno seja atualizado; isso exige pesquisa. É preciso pesquisar, também, o modo de apresentar o conteúdo ao aluno. Sem satisfazer a essas duas condições, não se pode fazer Educação Matemática. E, na Bahia, já tiveram oportunidade de fazer pesquisa, conforme já relatado, no CECIBA, um dos quatro Centros de Ensino de Ciências criados por Dr. Gildásio Amado, quando Ministro de Educação.

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